quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

cena Caim-Lilith da peça Caim

Lilith - E enlouquecida de raiva, deixei aquele paraíso prá lá de sem graça e sumi do mapa. Naquela época , o mundo conhecido terminava ali, no final do jardim de casa. Humilhada...mas antes a solidão de um mundo vazio a me submeter àquele arrogante Adão-solar ! Eu Lua - arcaica e primitiva!
Coro de mulheres –E qual das mulheres aqui já não se sentiu abandonada? Forçada ao deserto e à companhia de demônios? Na jornada de um homem,  mochila nas costas e espada erguida, em busca de suas aventuras heróicas. Já nossa jornada tem sempre a supresa de sermos lançadas no caos. Ainda quando somos nós que caminhamos seguras para ele e de olhos bem abertos.
Lilith - E no meio desse deserto da cor do sangue, encontrei e me uni a mais de mil demônios, que fizeram da minha vida de mulher uma alegria insana e letal. A cada prazer, uma vingança contra aquele Adão mesquinho e tosco. A cada prazer, um pouquinho mais de veneno. E em troca, recebia o poder dos demônios, gerava seus filhos e filhas. Mas mesmo essa vida, que no começo me trazia tanta excitação, começava a ficar chata. No fundo, mil demônios não passam do mesmo. Como toda a tristeza, no fundo, é a mesma...
Caim - E foi aí que eu cheguei!
Lilith -Eu sabia que você viria...
Caim -?
Lilith -Hoje eu tive um sonho, de uva.
Caim -Uva?
Lilith -Não das verdinhas, não... mas daquelas roxas, pequenininhas e bem doces. Sabe aquela fruta madura, madura, em que uma gotinha de mel já rompeu a casca e se mostra assim, sem vergonha nenhuma, prá quem quiser ver?
Caim -Sei...
Lilith -Foi assim meu sonho... eu era uva, o vinho e aquele que bebe. E também a videira, em plena expectiva, visão de cálices vermelhos, de êxtase e dor, do mistério da entrega. Na carne,  o sofrimento da uva pisoteada, que se dá aos pés e pesos que a machucam e ali agoniza, sangra. E na ação do tempo, o álcool, pai da eterna juventude, elixir dos deuses ...Brota.
Ai, brotinho de uva...
Caim -Ai...
Lilith - Você sabe o que isso significa? Eu não sei e foi comigo!
Caim -Eu te amo!
E aquilo que eu nem sabia existir, pulou da minha boca, prontinho. E mais um monte de coisas que eu nem sabia foram-se fazendo pelas minhas mãos, boca, língua e pele. O resto, ela mostrava. Lição aprendida diretamente dos demônios: cada carícia, cada som de amor que esquentava o desejo, cada ...ai, ai,ai,ai, ai!
Só de lembrar dessa que para mim era todas mulheres do mundo em uma só  ...
Lilith- O bem e o mal ao mesmo tempo...
Caim – Em um deus?
Lilith- E demônio. E homem e mulher inteiramente.
Caim - Lilith me ensinou tanto e tanto...
A correr com as bestas selvagens e a saltar as estrelas
Lilith – E eu abri minha caixa de milagres para ele e fiz uma cama de ervas, venenos e cipós para alcançarmos os querubins
Caim- E mergulhávamos juntos no caos anterior ao nome das coisas, época em que ela nasceu..
Lilith- Em cada gozo febril que alimentava meu corpo arcaico de fêmea noturna!
Lilith – Eu sou a primeira transgressora do mundo!
Caim – E por quê?
Lilith – Pela mais pura obediência ao meu destino. Que nunca me pertenceu...mas a Ele. Como parte do plano Dele. Pelo mais puro amor... à Deus!
Caim - Eram essas as idéias estranhas que ela plantava no meu coração ainda jovem...
Ah, só de lembrar dessa que para mim era todas mulheres do mundo em uma só  ...
Lilith -Então por que me deixou?

sábado, 25 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Dia de Nanã

Mergulhou
Águas profundas de uma tristeza antiga
Se entregou, sem resistência, ao
 pranto das velhas pedras do mesmo magro caminho
Sentiu odores de corpos paralisados por  couraças
O insípido gosto das mãos silenciosas porque já não sabem mais responder à vida
...
 a pobreza.

E numa manhã de carnaval brotou,
sem se fazer avisar,
Da lama do coração,
Uma flor de paz