domingo, 29 de novembro de 2015

Cada vez mais penso ( de maneira ousada, talvez como caiba ao pensamento) que a questão em torno do TEXTO DE TEATRO é menos se é "dramático" ou "pós dramático", mas que regime do imaginário ele constela...E quando o texto de teatro é visto rigorosamente como parceiro poroso de uma encenação, com fissuras abertas propositadamente para provocar outros parceiros de criação deste fenômeno coletivo que é o teatro, e não como obra em que faça qualquer sentido estar "estruturada" , trazendo a própria ideia de "obra fechada" que a palavra remete? Não um parceiro omisso, mas capaz, a partir de uma certa "realidade de alta condensação", como sugere Kantor, ser uma "carga que explode na encenação" ?(lógico que, para tanto, é necessário uma linguagem cênica e tempo de trabalho artesanal na encenação, como talvez hoje só companhias de pesquisa possam oferecer... ) Um gatilho da imaginação de atores e públicos ( e na escrita brasileira temos exemplos, como o próprio Grande Zé Celso e suas rubricas poéticas impulsionadoras de uma encenação imagética em "Cacilda". Um texto com rubricas "impossíveis de serem encenadas"?). Um texto menos lírico ( em sua sugestão de palavra autorreferente) e mais de fato, poético - entendendo-se a poesia, como Zumthor, como uma palavra com aptidão para gerar mais prazer do que informação. Se desde Aristóteles, de acordo com Pavis, o teatro esteve mais associado a uma concepção logocêntrica ao converter o texto no elemento primário da arte dramática, por que não ... subverter este texto? Se contaminássemos a palavra com sensualidade, instabilidade, abertura e sonho? Na minha pesquisa na Estelar de Teatro um texto mito-poético, inspirado na relação de Kantor com o texto, no teatro brasileiro do Zé e na antropofagia do Oswald, é investigado como gatilho para uma performatividade da palavra, em cena. E, voltando a questão do regime do imaginário constelado, Durand fala de dois regimes primordiais que orientam nossa imaginação: um regime diurno, de maneira hegemônica valorizado nos últimos milênios (ligado às ideias de ascensão, corte, lógica, razão, "estrutura" e desvalorização da alteridade) e um noturno (ligado à valorização do inconsciente, do sonho, do devaneio- é um assunto amplo e está na minha pesquisa do mestrado mais detalhadamente. Está indicado para publicação...).
Situo meus textos, de atitude ética e estética antropofágica, na busca da valorização de um regime suprimido pela maior parte de nossa educação e mecanismos de reconhecimento social (inclusive via editais e financiamentos públicos): o regime noturno. Neste sentido, busco uma voz feminina na dramaturgia, como provocação de um imaginário outro, em que os desassossegos possam estar menos estruturados em termos do logos ( ideias a serem debatidas) e mais em termos de valorização de uma outra política da percepção. Um texto - e uma proposta de um teatro implícita - em que a palavra e seu potencial poético e materialidade estimule uma relação co-criativa no público e nos atores e direção. Na Estelar de Teatro, música, dança, experimentos dos atores tecem a dramaturgia cênica nos espaços da palavra textual feminina e receptiva, na busca de um teatro mestiço.

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