Caio lê um livro. Joana está na cozinha.
Caio - Ainda demora?
Joana – Como você é impaciente, meu poeta! Vai acabar comendo cru!
Caio – Poeta... (lê alto seu livro)
- Tudo está em levar a termo e, depois, dar à luz. “
Joana – Eu gostei!
Caio ri – Não é meu... É Rilke! ( vai para a cozinha)
Caio – O cheiro está bom! (Abre a tampa e vai beliscar.)
Joana – Não!
Caio – Tudo bem...eu também não te deixo ler nada meu enquanto não está pronto....
Joana – Nem sempre eu fui assim...mas acontece que um belo dia, eu me dei conta que quando eu cozinho, eu transformo a matéria...
Caio – como um mago, um alquimista...uma bruxa!
Joana – ou um artista!
Joana – O fogo desencadeia, precipita, acelera a modificação. Ele também me aquece e eu sinto muito calor. As cozinhas são lugares tão quentes...
Raízes, sementes, folhas, cogumelo, a carne, a fruta. Minha cozinha é farta e generosa, você pode ver. Daqui eu tiro tudo o que preciso. Eu sou uma pessoa muito simples mesmo. E que gosta de coisas simples. É que foi no dia-a-dia que eu aprendi o que realmente importa.
Meus instrumentos são mesmo simples: colheres, panelas, potes, vasos. Que comportam, que guardam, que suportam o calor...para que a ...magia... seja feita.
Caio - A magia!
Joana – Ou você duvida da minha magia quando... o trigo... se transforma em pão...
Caio – a fruta em geléia...
Joana – o vinho, em vinagre...
Os dois riem.
Joana – Um bom alimento se faz com muito cuidado. Isso porque a massa pode desandar a qualquer momento. O fato de você ter feito um pão maravilhoso um dia não quer dizer nada. Se no dia seguinte você não trabalhar direitinho, o pão pode ficar sem gosto, insosso e comida assim ninguém gosta. Por isto é preciso muita atenção. (Caio aproxima-se dela) Estar completamente presente naquilo que se faz. Quando eu abro a massa, eu sinto que meu próprio corpo também se abre. ( Caio aproxima-se mais e tenta tocá-la) .
Joana se afasta do toque, de forma gentil.
Caio ( se desculpando) – As cozinhas são lugares quentes!
Joana sorri – ...mas quando o alimento está pronto, tudo o que eu desejo é que ele possa ser servido, provado, mordido, engolido. Que invada as entranhas de quem o receba e ali se dissolva, se transforme novamente, torne-se um com aquele que o tomou. Uma fusão perfeita. Eu alimento. Ah, se eu pudesse descobrir a receita perfeita. Que das minhas panelas, do fogo de meu fogão, dos elementos de minha cozinha nascesse uma comida que provocasse um deleite tão especial naquele que a experimenta que toda a dor fosse esquecida. Um prazer tão intenso que pudesse tornar toda ferida risível. Um alimento tão gostoso que transportasse, como uma ponte, aquele que o recebe diretamente às delícias do paraíso. Eu estou falando de coisas tão simples. ( Morde uma maçã e a oferece à Caio). Quer provar?
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